Sentindo todas as coisas do mundo

segunda-feira, 5 de maio de 2008
Artesanato de Antonio de Castro

O sono já havia me pego, quando a porta do meu quarto se abre e minha mãe me acorda dizendo que meu amigo hetero estava no telefone querendo falar comigo. Assim foi o fim do meu domingo, ou o que foi o início do fim do meu domingo.

Ele ligara para me dar duas notícias, uma boa e uma ruim. Acho que nem tive escolha e ouvi primeiro a boa: ele iria de carro na segunda-feira e queria que eu fosse com ele. Isso era uma boa notícia, já que eu não precisaria ir de metrô na manhã seguinte.

A ruim: ele e a namorada haviam desmanchado e ele estava muito triste. Ficou comigo pelo menos uma hora falando ao telefone. De como fora chato seu fim de semana e como o fim do namoro, ainda que meio desejado, estava deixando-o triste. Ouvi suas desilusões, suas tristezas e as coisas que lhe deixavam para baixo.

Prometi que no dia seguinte não faria piadas que o deixassem sem-graça, nem chateado. Tudo pelo bem dele. Me chamou para sair no meio da semana, para ir comprar o presente de dia das mães com ele, para ir a uma boate gay com ele e umas amigas doidas para rir e perguntou que horas eu saía da faculdade na segunda-feira, ou seja, hoje.

Me assustei. Disse a hora mas me assustei. Não fazia sentido ele ir me buscar na faculdade agora que não namorava mais a menina. Se eles não estavam nem se falando o que ele faria lá. A não ser que fosse um motivo para encontra-la, não haveria mais razões para ele ir até a faculdade.

Comecei a ficar com medo do caminho que as coisas estava tomando. Medo de por que percursos tortuosos aquela conversa de telefone mais que inesperada numa noite de domingo iria dar. Não iria deixar simples convites estranhos me iludirem a acreditar que ele terminara com a namorada para ficar comigo, como se ele tivesse enfim se descoberto.

Nos encontramos na manhã de hoje e fomos. Como sempre a conversa foi legal, ele falando dela e de como achava que as coisas melhorariam agora. Dizendo a todo momento que iria precisar da minha ajuda e da ajuda daquela nossa amiga em comum do post anterior.

Perguntei se eu não era amigo dele, como ele dissera,. Ele pediu desculpas e disse que só estava brincando, que só queria ver se eu dava a mesma importância para qle que ele dá para mim. Não sei se eu sou muito pessimista, mas achei aquilo muito fácil de se dizer e de se ouvir, o que não me agrada.

Mas deixei para lá. Ele já disse que era meu amigo, me pediu um abraço e teve momentos que ficou com os olhos cheios d’água ao falar da namorada. Tudo parecia perfeito, feito sob medida para eu me apaixonar. Só faltava uma coisa, eu pensava enquanto ia para faculdade de noite, depois do longo dia de trabalho: ele ser homossexual. Deixa de ser uma questão social e passa a ser uma questão de atração física.

Ele não sente atração física por homens, o que coincidentemente eu sou. Tudo se somava e me servia como um balde de água fria, na esperança mais que idiota que eu nutria, sabendo que não deveria nutrir, como milhões de vezes na vida eu já fizera.

Era bom de repente perceber que o convite para sair no meio da semana, o de ir para boate gay, o de ir comprar o presente de dia das mães com ele, tudo era mais uma vez um daqueles típicos convites que ele faz a todas as pessoas. Tática de sedução dele conhecida por todos. Mania de ser querido e nada mais normal do que ele querer ser querido agora recém terminado um namoro de quatro anos.

Quatro anos. Deve estar sendo difícil para ele e para ela também. Quem menos sofre com tudo isso sou eu, já que tudo só se passa na minha cabeça. E quem está falando de sofrimento.

Enquanto pensava essas besteiras, voltando para casa, encontrei uma vizinha que conheço desde pequeno. Quase não a reconheci, ele estava com um acessório estranho no pescoço e toda inchada. Já não a via há muito tempo. Parte por ficar pouco tempo em casa e parte pela doença da qual ela se trata e é de conhecimento de todos os conhecidos.

Câncer. O segundo em dez anos. E aquela mulher trocava palavras comigo sorrindo, como se o que ela estivesse passando valeria a pena mais para frente, se não para ela para os filhos dela ou para outras pessoas. Como se ainda houvesse alguma motivação mesmo que a coluna doesse muito.

Isso é sofrimento. Isso e o que passa na cabeça das mães das crianças da minha rua. As crianças que estão em constante contato com a violência da cidade. Vi isso enquanto vi um menino que vi nascer andando de bicicleta há metros de distância de um grupo de meninos da minha idade que usavam drogas, iludindo-o como se aquilo não passasse de brincadeira.

Sofrimento é o que passa a mãe do primo de uma amiga minha. Que perdeu o filho de 14 anos numa guerra do tráfico. O menino estava desde os 12 anos envolvido com os bandidos e servia de anunciante para quando a polícia chegasse. Dessa vez foi ele que morreu com uma bala, mas ainda sobraram seis irmãos no tráfico. E nem sei o que pensar em relação a isso.

E como se eu já não tivesse ouvido e visto muitas histórias de reais sofrimentos para saber que o que eu passo não é sofrimento, liguei a televisão há meia hora atrás e assisti ao final de um documentário que tratava da guerra do Iraque e como ela afetou as pessoas que fora e sobreviveram, psicológica e fisicamente.

Eu sei que esse fim de post foi bem mórbido, mas é só para ficar bem claro que se não era meu amigo hetero ao telefone agora quando tocou, me chamando para ir de carro amanhã, não é o fim do mundo. Que eu não posso mais viver esperando que as coisas mudem mais que elas podem mudar. Que se um heterossexual termina o namoro de quatro anos não quer dizer que você tem mais ou menos chances. Você continua sendo um homem.
Ouvindo: I Feel It All - Feist

1 críticas:

Nadezhda disse...

Quando vejo notícias assim, fico pensando que meus problemas são tão pequenos, que eu nem devia estar sofrendo. Mas não dá pra comparar, são coisas diferentes.

Evite depositar esperanças no seu amigo hetero, talvez não se decepcione. (Eu sei, é difícil, mas não custa tentar).

;)