Capítulo Dois

quarta-feira, 7 de novembro de 2007
Artesanato de Antonio de Castro

Cinco horas da manhã, o sol ainda apagado, recluso em sua órbita desconhecida, iluminando o resto do mundo. A porção de mundo que Joaquim não conhecia mais que sabia que existia porque a via através de olhos alheios.
Se arrumou em quinze minutos e lá estava ele, com os pés calçados com um sapato caro de couro legítimo pisando os chãos da cidade em direção ao prédio da redação.
Em cinquenta minutos, lá estava ele atravessando o lobby de chão bem encerado brilhante, sendo refletido por aquela madeira cara e luminescente a seus pés. E aqueles pés faziam um tremendo barulho ao tocarem a madeira, barulho esse que era somado aos já executados pelas outras centenas de pessoas que passavam alí com seus sapatos caros e rostos antipáticos.
Sua mente viajava por duas realidades ao mesmo tempo, como várias vezes costumava fazer pela manhã enquanto se dirigia ao trabalho. Parte de sua concentração estava direcionada para o telefone que deveria conseguir até as dez e a outra parte, mais da metade diga-se de passagem só pensava na tarde anterior pouco tempo antes do fim do expediente.
Só pensava em Dan, aquela realidade absurda e inimaginável. Nunca tinha pensado naquilo, não da forma como pensara ontem, não com Dan. Não mesmo.
Mas teria de encará-lo, afinal como descobrira depois de toda aquela história de prenda e tudo mais, ele era o úinico que tinha o telefone. Não era de se espantar já que trabalhava diretamente com o fotógrafo queridinho das grávidas, responsável pelo ensaio mais que cult que Sarah fizera vinte dias atrás de sua barriga ainda discreta.
Ao desembarcar do elevador, no oitavo andar, a redação estava cheia e barulhenta mais uma vez. O assunto era diverso. Da morte trágica de uma cantora consagrada nos anos setenta à descoberta de vício em anfetamina de uma aspirante a atriz, modelo e ex-bbb.
Seu cercadinho vazio, esperando-lhe para mais um dia de desespero. E aquele sempre era o de maior desespero. Terceira quinta-feira do mês. O dia em que Ricardo chegava com os nomes certos para as entrevistas do próximo mês. O dia em que teria de dizer a ele que não conseguira uma entrevista com Sarah Alencar pois não tinha seu telefone e se masturbava pensando na pessoa que o tem e não lhe quer dar.
Chegou a sua mesa e se sentou exausto só de pensar em como seria o dia. Adimitindo para si próprio que não teria escolha senão aceitar seu fracasso, abriu a gaveta onde guardava doces para momentos de depressão e de repente se lembrou do doce de morango caramelizado que tinha comido momento antes do assalto, na sala de refeição e que no momento estava ocupado lendo números de telefone e que poderia ter sido lá que perdera o número.
Se levantou e foi correndo até a sala nos fundos da redação. Sua mesa intacta desde o dia em que lanchou lá pela última vez. Poucas pessoas costumam lanchar na sala de refeição, o momento da refeição é a hora ideal para sair um pouco dos arredores da redação e respirar ar fresco.
Sobre a mesa, um copo de refrigerante vazio que bebera no dia e mais uns dois guardanapos limpos. Quando viu a cadeira, uma das quatro cadeira que compunham a mesa, pôde ver alguns papéis, dentre os quais aquele retângulo cor-de-laranja claro.
Ligou para o agente de Sarah e em uma conversa de duas horas estava decidida a hora da entrevista marcada para o dia seguinte na casa dela, um sobrado na Lapa.
Um sentimento de sorte lhe tomou conta, nunca se sentira assim tão confiante de que podia algo. Contava com mais que seu talento e perseverança, tinha a seu favor também as energias dos deuses dos artistas mais chatos da face da Terra.
Nem meia hora depois que desligou o telefone com os ouvidos quentes de tanta insistência e o estômago pulando de tanta felicidade, Ricardo entrou na redação.
Como sempre, entrava cumprimentando a todos, dizendo coisas engraçadas, parando em algumas estações de trabalho para uma conversa mais longa que duas palavras e mais curta que dois minutos.
Seu cabelo louríssimo reluzindo a luz fluorescente do ambiente, sobre uma cabeça fina, comprida e alemã. Nariz fino, traços masculinos e elegantes, assim como as roupas. Uma calça jeans escura, uma camisa branca social e um blaser cor de cáqui, combinando com os sapatos e a bolsa de lado que era bem cara.
Ao chegar a mesa de Joaquim com aquele sorriso envolvente e o ar de que tudo era fácil de se alcançar, Ricardo parecia mais com seu chefe do que com o jornalista de colunas sociais que todo mundo ama porque é discreto e elegante, apesar de trazer a tona todas as dúvidas da massa.
- Bom dia, Joaquim.
- Oi, tudo bem?
- É – disse sem ênfase – O dia tá meio ruim, a chuva atrapalhou meus planos com o meu irmão da gente ir pra Angra no fim de semana, mas, é... tá tudo bem.
- Que pena.
- Pois é, mas você pode alegrar um pouco meu dia. - disse sorrindo falsamente, de um jeito tão peculiar dele – Eu espero que você me tenha boas notícias.
- Boas notícias?
- Quero dizer, primeiro eu espero que você se lembre do meu último telefonema.
- Eu consegui, Ricardo - disse sério – Ela marcou pra amanhã às catorze horas, no sobrado da Lapa.
- Sem restrições?
- Fotos. Nada de fotos.
- Ok – concordou muito fácil para Ricardo Medeiros – Já deve ter sido muito difícil você convencer o Sandro a deixar ela dar a entrevista e falar do boato de aborto. Você vem comigo amanhã, tudo bem? Acho que você merece.
- Obrigado.
- Eu te ligo mais tarde, pra confirmar – disse já saindo e sem mais palavras, foi seguindo caminho em direção ao elevador que levava à sala do editor-chefe, sorrindo e cumprimentando gentilmente outras pessoas.


A fome foi finalmente somada a um sentimento mais que desconhecido quando Joaquim entrou no restaurante onde costumva almoçar todo início de tarde e encontrou em uma mesa, sozinho, Dan.
O rapaz estava lá entretido em seu prato de comida. Umas folhas de alface e rúcula cobriam o arroz integral que acompanhava o frango grelhado numa típica mistura quase vegetariana macrbiótica que fazia bem o tipo de Dan.
Seria a oportunidade perfeita de voltar ao assunto que Dan tinha começado no dia anterior tão estranhamente e que fizera o pensamento de Joaquim viajar por hipóteses tão remotas.
De repente Joaquim sentiu as palavras saltare de sua boca com um naturalidade sobrenatural.
- Posso sentar aqui com você ?
Dan levantou a cabeça fez que sim estranhando todo aquele conjunto de atitudes. Joaquim se sentou e em meio minuto de silêncio trocado pelos dois o garçom já se aproximava perguntando a Joaquim o que queria.
Joaquim pediu o de sempre, o garçom foi embora e os dois novamente trocaram silêncio. Não era a primeira vez que alomçavam juntos. Pelo contrário, almoçar com Dan era mais comum do que almoçar sozinho. Os dois quase sempre saíam juntos da redaão e iam para o mesmo restaurante o que fazia com que dividissem a mesma mesa.
Entretanto hoje era diferente. O clima não estava o mesmo de sempre e logo Joaquim pôde perceber que nem seu bife à milanesa com salada de alface com mussarela de búfala de sempre era o de sempre.
- O que foi? - Dan perguntou depois de alguns segundos seguidos em que Joaquim o olhava sem motivo.
- Nada – respondeu – Só que eu não vou precisar pagar a prenda.
- Que prenda? - perguntou com um pedaço de frango na boca.
- A prenda. A tal prenda que você ue me cobrar pra me dar o número da Sarah.
- Ah, a prenda – suspirou – E o número? Conseguiu?
- Consegui.
- Que bom – disse – É uma pena. Porque eu acho que você gostaria de pagar a prenda.
Mais uma vez Joaquim foi capaz de perceber aquele riso diferente no canto da boca que brotava em Dan. Em seguida percebeu o quanto era rosa a boca de Dan, e grossa, e bonita.
- Que prenda era essa?
- Você não quis pagar.
- E se eu quiser pagar agora?
- Não é nada demais – disse enfim – É só uma prenda. Uma coisa que você tinha que chupar – e disse a palavra chupar quase num sussurro, sibilando.
- Você é imundo, Dan.
- Eu?
- É.
- Por que? Eu nem disse o que você teria que chupar.
Os dois ficaram calados, sorrindo. Joaquim ficou pensando no que dissera, no que queria ouvir, no que talvez ouviria. Ficou pensando se estavam os dois, ele e Dan, pensando a mesma coisa. Ou se ele estava imaginando aquelas trocas de sorrisos e interpretando essa história de prenda de uma maneira que não devia.
- O que eu teriade chupar? - perguntou Joaquim - Me diz.
- Eu tenho que ir. Hoje eu saí mais cedo pra almoçar.
Tirou o dinheiro da carteira e deixou em cima da mesa ao lado de um bilhete.
“ Vestiário, hoje”


Quando acordou na manhã seguinte pensou que talvez tivesse perdido a grande oportunidade de viver uma vida que há muito tempo queria viver, que esperava incansável. Mas que não tinha coragem o suficiente.
Se vestiu, tomou café e saiu em direção à redação como sempre fazia, sem nem lembrar que ontem tinha combinado com Ricardo mais tarde num café na Cinelândia, para juntos irem ao sobrado de Sarah Alencar.

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