Capítulo Um

terça-feira, 6 de novembro de 2007
Artesanato de Antonio de Castro

As cordas do tênis estavam bem presas, mais que o normal, quando chegou em casa naquele dia. Nem imaginava o que era sentir as mãos dele passando lentamente, sem pedir permissão por todo o seu corpo.
Primeiro os braços, tão leve que nem pareciam tocar. As mãos eram mais como sutis folhas de outono. Tão secas e tão macias como algo que Deus não teria imaginado, nem em seus maiores devaneios quando criara o mundo.
E isso era tão lógico agora. Que era mais um fato que nem Deus teria imaginado, surpresa humana, obra humana. Obra de nós dois, dois artistas amadores que nem sabiam do que aquela arte se tratava.
Ainda podia lembra sua voz falando coisas que não faziam a mínima importância, pois suas mãos, folhas marrons de outono, subiam e subiam. As coisas que falava, sibilando, ainda que não fizessem sentido, ainda que fossem ignoradas, envolviam-no e faziam com que fosse mais fácil aceitar aquela realidade absurda que tanto queria aceitar.
Agora o que sentia era um misto de remorsos com prazer. Prazer ainda maior do que o que sentira cinquenta minutos atrás. Se sentia mais vivo, personagem de uma história, vivendo a vida verdadeiramente.
Mas talvez não fosse justo ser tão egoísta e viver assim. Jogar tudo pro alto só para poder viver o que esperava desde que descobrira o que era o amor ou a carência, assunto do qual sabia mais. Decepcionar pessoas, mudar seus planos, aqueles todos inacabados, frustrados com todas as relações que nem chegaram a ser relações.
De repente se viu por alguma razão que não sabia qual era imaginando que aquilo voltaria a acontecer, que se tocariam outra vez e que da próxima vez ele estaria ainda mais perto. Tão perto que poderia achar que seu perfume seria o dele e vice-versa.


Treze dias atrás.
Por mais que procurasse intensivamente em sua agenda, Joaquim não conseguia achar o número do telefone de sua cliente mais importante. Dias antes sua bolsa toda fora roubada em um assalto em um banco e tudo que ele mais temia era perder sua agenda, onde anotava todos os seus compromissos do estágio.
Por sorte os dois assaltantes foram pegos doze minutos depois que saíram do prédio de vinte e três andares espelhados de vidro fumê. Doze minutos, um tempo atípico para se capturar um assaltante em uma cidade como o Rio de Janeiro.
Tempo suficiente para sua bolsa ser revirada, sua carteira ser esvaziada de todo o dinheiro recebido momentos antes do assalto, sua bolsa de estágio do mês de junho.
Junho, o mês onde o tempo muda. A temperatura cai rapidamente, chove mais, venta mais, as árvores começam a cheirar a algo molhado e aquele cheiro parecia lhe despertar todo ano para algo que sempre esperava. Mais um relacionamento.
Todo ano, chegando esse período, os nervos começavam a aflorar com os problemas da escola e pareciam que eles ativavam seus hormônios e de repente qualquer pessoa que passava na sua frente se tornva alguém interessante.
Esse ano Joaquim pensava que seria diferente e vinha sendo. O estágio tomava quase todo seu tempo e seria impoprtante que tivesse um bom desempenho para ser contratado ao término de seis meses estagiando.
Vivia aquela nova realidade de trabalhar ligando para as pessoas importantes e marcando hora para explicar coisas sobre a entrevista que seu chefe, Ricardo Medeiros, gostaria de fazer.
Estava no quarto período da faculdade de jornalismo e por sorte conseguira um estágio como assistente de um dos melhores colunistas da cidade, no melhor jornal da cidade. Meio caminho andado. Agora só faltava controlar seu gênio e se destacar, cumprindo todas as promessas feitas ao Ricardo.
A última fora feita no dia anterior: a terceira entrevista excluiva com a atriz mais cult do cenário cult. Aquela atriz que não dá entrevista para ninguém, que não faz televisão e quando faz é na emissora menos assistida só para ser do contra, que não faz cinema e quando faz é um filme que com certeza ninguém vai assistir porque é muito complexo para a inteligência da grande massa, que faz teatro porque é caro e ninguém vai pagar tão caro para assistir.
E era justamente seu telefone que não conseguia achar em sua agenda. A agenda tinha sido entregue pelo próprio Ricardo quando começara o estágio, três meses atrás. Sabia que o telefone estava alí, preso por um clipe em uma das folhas, escrito num papel cor-de-laranja desbotado retangular. Tinha usado-o há menos de um mês, quando conseguira sua segunda entrevista com a moça para falar de sua gravidez duas semanas depois de sua união relâmpago com um outro ator, quando conseguira sua primeira entrevista.
Ricardo já estava bem satisfeito com as duas entrevistas exclusivas em menos de dois meses até que ela fora vista saindo de uma clínica de aborto clandestina, chorando muito acompanhada de seu primo desconhecido.
Só se falava dela, ainda que o povo nem soubesse de verdade se ela era boa ou má atriz por terem sido tão poucas suas aparições em público. Sendo ela o assunto da semana, era inadimissível que Joaquim não conseguisse mais uns cinco minutos em particular de Ricardo com ela para falar sobre aborto e vender ainda mais jornais.
Mas o telefone mais desejado não estava alí. Tudo isso graças a um assalto que já não era o bastante levado dele o dinheiro que iria usar para pagar o aluguel do apartamento no qual morava desde que conseguira o tal estágio.
A solução para aquele problema seria um pouco difícil. Quantas pessoas na redação teriam acesso a esse tipo de telefones. No setor de televisão e entretenimento trabalhavam em sete assistentes para diferentes colunistas. Um deles deveria ter telefones de pessoas importantes e ele esperava que fosse Dan.
Foi até a mesa de Dan e seguiu direto ao assunto.
- Você tem o telefone da Sarah?
- Que Sarah?
- Sarah Alencar. Eu preciso mais do que tudo nesse mundo. Eu tinha, é, eu tinha sim, mas infelizmente como você deve se lembrar ou não eu fui assaltado e quando carregaram a minha bolsa devem ter feito com que o papelzinho, justo aquele papelzinho onde estava anotado o telefone da agente dela, tenha se perdido. Você tem?
Dan ficou em silêncio, completo silêncio, quase sorrindo de tanta graça que achava do desespero de Joaquim por ter perdido o telefone que talvez lhe valesse um futuro emprego para fazer algo que não queria como escrever o obituário.
Aquele ar de humor de Dan fez Joaquim lembrar de como o rapaz estava estranho em todo o café da manhã naquele dia, tomado por uma alegria inigualável, como se tivesse sido promovido, algo que com certeza não tinha acontecido pois saberiam, afinal estavam no meio de vários jornalistas. As notícias corriam rápido.
- Eu tenho o telefone dela - disse ele calmamente.
- Ah, que bom – Joaquim reepirou aliviado – Qual é?
- Eu dou – disse – Com uma condição.
- Que condição?
- Você vai ter de pagar uma prenda – o sorriso lhe brotando o canto da boca.
- Que prenda?
- Adivinha. Você vai ter que adivinhar qual é a prenda.
Dan sorria se divertindo por algum motivo com toda aquela situação, aquela conversa de prenda e tudo mais. Um sorriso malicioso que Joaquim não imaginava ver nem em seus sonhos mais insanos.


Foi naquele dia que que Joaquim pensou pela primeira vez em Danilo como mais do que seu parceiro de trabalho. Não sabia porque mais aqulele sorriso fazia com que ele pensasse coisas que não se permitia muitas vezes, mas era o final de maio.
Início de junho e os hormônios ficavam a flor da pele. Quando chegou em casa naquele dia se masturbou pensando em Dan, ainda preocupado com o telefone que devia conseguir até as dez da manhã seguinte.

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