Egoísmo

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
Artesanato de Antonio de Castro

Hoje foi o terceiro dia da semana em que acordei em meio ao frio mais que anormal e sempre ausente do meu quarto. Foi o terceiro dia em que o caminho percorrido a pé, na hora da oração, até o metrô foi salpicado por finos pingos de chuva. Uma chuva gelada de outono em pleno verão.

Fim de verão, o outono, estação da minha paz, que se aproxima, levando o pouco que me resta dessa tal paz para longe de mim. Tão longe que não sei nem onde, tão longe que acho que não vou achar.

Enquanto procuro, me perco em meus pensamentos, pensamentos novos, esses estranhos, desencadeados por uma conversa boba de sábado à noite, uma conversa que, de tão despretensiosa, me deixou envolvido e agora, de tão irreconhecível, me deixou confuso.

Depois que meu ex-namorado escolheu se abrir comigo e falar da nova opção que lhe surgia, nosso outro amigo, que se descobriu gay e que tem vontade de assumir sua sexualidade, seguiram-se conversas e reflexões diversas.

Não sei o que senti. Por um lado, felicidade. Finalmente a pessoa de quem eu tanto gosto estava arranjando alguém que valia a pena, por outro um sentimento de egoísmo que não me pertencia. Ou pior que pertencia só a mim. Um sentimento que não está livre dos males, que não está livre das dores.

Mas dores foi o que eu menos senti esses dias que se seguiram. Cabeça ocupada é o melhor remédio para curar pensamentos infelizes e curou os meus. Até os momentos em que eu os via sozinhos em uma sala, ou sentia a ausência só dos dois, ou entrava no vestiário e encontrava com um deles a porta e o outro enrolando lá dentro.

Do jeito que fazíamos eu e ele.

Tenho medo do que penso. Tento evitar esses pensamentos. Tenho medo de estar sendo mais cruel do que penso que sou. Mais até mesmo do que consigo ser. Isso quando lembro das palavras do meu ex-namorado dizendo que um dos empecilhos para esse nosso colega se assumir é o fato de eu e uma outra amiga criticarmos a atitude do casal gay assumido desde a festa.

Logo eu, gay desde junho. Desde 6 de junho, gay de carteirinha, sendo preconceituoso e impedindo ou dificultando o crescimento emocional e psicológico de alguém através de algo que eu gostaria muito de fazer, de ter coragem de fazer... Não, remorsos me dominam.

Só o que penso é que preciso parar com esses comentários, parar de posar de homem preconceituoso e homofóbico, quando na verdade, não passo de mais um viado doido para dar o cu. Converso com uma amiga nossa sobre o assunto, essa com quem eu finjo ser macho, falo sem falar nada que comprometa a mim ou a meu ex-namorado ou ao meu colega corajoso. Falo sobre para com as brincadeiras, falo sobre como podemos estar impedindo o menino de se abrir, dificultando as coisas para ele.

Ela concorda e diz que já sabe que ele assumiu para uma outra pessoa sem ser meu ex-namorado. Vejo o quanto a coisa está ficando séria. Vejo mais vezes eles juntos. Vejo eles tentando arranjar um momento de privacidade só para eles.

Como fazíamos eu e meu ex-namorado.

O que sinto é sei lá o quê. É algo sem nome, orgulho ferido, tristeza por estar sendo tão prontamente substituído. É sentimento estranho a mim, sentimento sem nome. Não é ciúme nem desapego. Algo que equilibra os dois mesmo que soe impossível. Mas é o que é.

Mas quero esquecer. Quero seguir em frente, quero estar bem com quem eu amei, quero que ele esteja feliz com quem um dia pode amar. Então eu brinco e desencadeio mais problemas. Brinco do meu jeito. Às vezes cruel, pra quem não conhece, mas mais que normal pra quem já viu.

Brinco e ele acha que o que estou fazendo é tripudiar em todo o sentimento dele, essa ligação que ele diz ainda ter. acha que é sério e se abala em minhas costas. Só que fico sabendo é que no dia anterior, eu o magoei. E me diz isso com tom de acusação, me fazendo acreditar que tudo foi sério. Que o humilhara.

Palavras ditas por ele no calor da discussão. Depois vêm os outros, perguntar o que houve já que ele saíra chorando, tremendo, o rosto vermelho, abalado daquele jeito por minha causa. E dentre todos vem sua nova paixão. Na verdade, o primeiro, para falar pra eu não ligar, deixar ele de lado, nem bater muito papo, quase me afastar.

Não sei se é ciúme, por tudo ter sido por minha causa. Não sei se é conselho de bem. Até então. Faço as pazes. Não quero o clima, afinal amo ele, sempre amarei. Vai ser sempre aquele para quem tive confiança o bastante para me entregar quando nem sabia a o que estava me entregando.

Remédio seria se distrair, assistir a uma peça de um colega nosso, uma estréia que precisávamos dar uma força. Vamos todos já me informei. Mas na hora de ir, sinto resistência do meu ex-namorado e do meu colega corajoso, sua nova paixão. Sinto que se esforçam para ficar depois de todos, serem os últimos a saírem, terem a empresa só para eles para fazer sei lá o quê... ou sei.

Me divirto, até encontrá-los. Até ver os dois andando nos corredores do shopping, como fazíamos nós dois antes de dormirmos juntos, antes de termos nossas noites de amor. Amor, não há outra palavra para falar do que vivemos. Me sinto sei lá.

Não é ciúme, não é desapego. Não acho normal, me sinto recolocado, pouco importante, mas egoísta. Não quero ele para mim, mas também não quero que ele tenha outro em meu lugar tão cedo. Não quero imaginar que depois de lancharem no Bob’s, como nós fazíamos eles iriam para a casa de um deles e ficariam a noite inteira. Não gosto de vê-los sentando lado-a-lado no teatro, no escuro, não gosto do aperto que sinto no coração. Nem de saber que não tenho direito de sentir nada disso. Mas sei.

Sinto tudo mal.sinto raiva e não paro de pensar, fico imaginado e me embrulha o estômago. Lembro dele dizendo que ainda tem uma ligação muito forte comigo e que não vai ficar com esse novo menino e sinto raiva. E sinto como se não pudesse sentir raiva já que eu terminei tudo, já que não sinto mais nada por ele, já que só o quero é que ele arranje outra pessoa que me substitua, mas não quero ser substituído.

Não quero imaginar que um desses sábados tenham sido de filmes bonitos que viram. Sábados seguidos de domingos de amor. No lugar onde brotou meu amor.

Não sei nem o que sinto.

1 críticas:

Nadezhda disse...

Estranho mesmo se sentir assim. Acho que acontece com todo mundo que termina um namoro. Não é ciúmes, mas é não querer ser substituído, como você falou.

E isso sempre machuca a gente. Pelo menos no meu caso.

;)