Chuva de Verão

sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Artesanato de Antonio de Castro

Hoje tirei o dia para descansar. Esquecer de todos os problemas que crio constantemente para mim mesmo e descansar num longo dia de chuva em pleno início de verão.
Mas a sede por perturbar minha própria cabeça é maior que qualquer coisa. Meio por acaso encontrei hoje uma amiga de infância que não via há muito tempo o que me deu um motivo para ficar pelo menos meia hora conversando e colocando o assunto em dia. Até isso estava bom, estava trocando informações de outras pessoas que conhecemos e das quais não sabemos novidades com tanta frequência e rindo pra valer das coisas que aconteceram. Tudo isso debaixo de chuva fina; eu com o saco de pão na mão, ela com os cadernos do curso que acabara de largar.
Era algo que não fazia há um tempo. Ficar conversando, sem olhar o relógio para ver quanto tempo estava perdendo com coisas bobas, e me fazia lembrar minha mãe quando eu era mais novo, que ficava conversando com suas amigas horas, falando coisas sem sentido no portão ou em uma esquina da rua, vendo o dia sumir e a noite surgir, sempre com um assunto na ponta da língua. Na época eu odiava esse seu hábito, mas hoje entendo o que era: necessidade. Às vezes precisamos conversar com alguém só por conversar, sem motivos ou pretensões.
Mas todo esse tempo na rua onde cresci, depois de um longo período sem dar as caras, me obrigou a reencontrar pessoas com as quais cresci e perdi o contato. Algumas pessoa foram realmente obrigação, mas outras eram até acasos agradáveis.
Pessoas que há anos atrás sabiam tudo de mim, que hoje têm motivo de sobra para saberem da minha sexualidade, graças à minha ingenuidade ao contar para pessoas que não eram minhas amigas de verdades assuntos e segredos tão íntimos, mas tudo bem. Coisas da vida.
Dentre as pessoas estava um menino. Meu primeiro amor, por assim dizer. Eu tinha quatro para cinco anos quando, em um dia tão chuvoso e frio quanto hoje, sozinhos na vila onde morávamos, decidimos brincar de coisas que não sabíamos o que era atrás do fusca azul e velho do vizinho. Já era tarde, minha mãe insistia para que eu entrasse, mas eu estava ocupado recebendo beijos em lugares que eu nem sabia para que serviam, deitado na calçada, sem o short de nylon branco e azul.
Com cinco anos não se sabe a gravidade das coisas, começamos a namorar escondido, dois meninos de cinco anos namorando, indo sempre um a casa do outro para brincar de coisas proibidas. O tempo passou e viramos só amigos, sem tocar nesses assuntos. Até o dia que conversamos sobre isso com as outras pessoas da rua, os outros meninos, mais velhos, pelo desejo de ter um pouco de atenção de crianças que pareciam à época mais populares.
Assinei meu atestado de homossexual quando contei a eles aquelas coisas daquela noite com meu acaso. Ele arranjou namoradinhas, eu também. Deixamos de ser amigos, sem motivo algum também, caminhos opostos na vida.
Hoje, entretanto, paro para pensar... Ele não teria feito aquilo quando criança se não fosse pelo mesmo motivo que eu. Talvez ele seja tão homossexual quanto eu. Suas sobrancelhas feitas, seu corpo fino e sarado sob roupas coloridas e jovens. Talvez, quando ele me olhe, tenha vontade de uma segunda chance ou se aprofundar naquilo que foi só o início.
Talvez não tenha sido tão diferente de mim durante esses anos e tenha tido outros meninos que passaram por sua vida e nos quais beijou daquele jeito que me beijou, talvez tenha beijado ainda melhor e em lugares ainda mais interessantes.
Talvez eu devesse procurá-lo no orkut e reavivar essa antiga amizade que pode me tirar dos problemas e dúvidas que tenho vivido em minha vida emocional, tão diferente do que eu planejara.
O orkut dele estava lá, repleto de fotos da namorada e declarações, fotos de outros meninos, do futebol. Depoimentos de pessoas que não pareciam tão sensíveis quanto eu, ou seja, tão gays.
Olho as fotos e como tudo mudou. Penso que talvez só eu não tenha mudado, que já era hora de amadurecer e passar por essa fase de descobrimento. Ou melhor, penso que talvez eu já tenha me descoberto, mas o que vem com isso é o fato de que ele nunca fora gay como eu, isso que por algum motivo hoje acho ser um castigo, talvez para ele aquele encontro infantil atrás do fusca tenha sido só uma brincadeira, sacanagem aos cinco anos, meinha. Talvez tenha se aproveitado de mim.

1 críticas:

Gurizão disse...

nem tudo é pra todo mundo.
alguns engolem o que poderia ser sua própria felicidade, enquanto outros fazem de tudo para encontrar uma, mesmo daquelas pequenas e tão azuis quanto o velho fusca do vizinho.
não gosto de quem se esconde atrás de falsas namoradas. enfim. o problemas é deles. eu serei feliz.

busque a sua também. mudando ou não.